Planejamento Urbano e Regional como dispositivo para implementação de políticas públicas.

“É esperado que, nos próximos anos, se aprofunde mais a concentração das populações em espaços urbanos, trazendo mais elementos constitutivos não só para as grandes, mas também para as cidades médias”.

Essa é uma fala que evidencia a tendência de crescimento das cidades que, com sistemas cada vez mais complexos, exigem mais cuidado, estudo e interdisciplinaridade dos profissionais responsáveis por seu planejamento.

Aproveitando o dia 15 de dezembro, Dia do Arquiteto, convidamos a arquiteta urbanista Rafaela Müller para um papo sobre esses desafios. Formada na Universidade Federal do Ceará em 2016 e pós-graduada em Mobilidade Urbana em 2021, ela atua há quatro anos na Quanta Consultoria e trabalha predominantemente na área de Desenvolvimento de Projetos Urbanísticos e Arquitetônicos.

Faz parte de seu escopo também participar da elaboração de estudos para as cidades por meio da criação de desenhos urbanos e de arquitetura intrínsecos às soluções de planejamento do uso do solo e de mobilidade de forma integrada. Além disso, tem bastante interesse em representação gráfica dos projetos e expõe alguns de seus trabalhos no Instagram @rep.lab.

Quais são os maiores desafios das cidades, hoje, do ponto de vista arquitetônico e urbanístico?

Lembro de uma frase que dizia “as cidades são o maior artefato já criado pelos homens”. As cidades sempre foram objetos de desejos, desafios, oportunidades e sonhos. Dessa forma, olhando em uma perspectiva histórica, sabemos que o século XIX foi dos impérios; o século XX, das nações; e o XXI é das cidades. Então acredito que o desafio que já está ocorrendo neste exato momento – e que continuará nas próximas décadas – será adequar as cidades para receberem boa parte da população mundial, pois já temos 80% da população brasileira vivendo em cidades. O estouro já começou no último quarto do século passado e, hoje em dia, já temos cidades dentro de grandes cidades.

Qual é o papel do arquiteto urbanista para as cidades?

Acredito que os temas estudados nas cidades estão cada vez mais pedindo uma compreensão integrada e o envolvimento de muitas disciplinas, visto que as cidades são sistemas cada vez mais complexos. É esperado que, nos próximos anos, se aprofunde mais a concentração das populações em espaços urbanos, trazendo mais elementos constitutivos não só para as grandes, mas também para as cidades médias.

O arquiteto urbanista pode atuar em diversas escalas, desde o interior até grandes extensões territoriais, de modo que todas elas influenciam e causam impactos. Esses impactos podem ser medidos e considerados por diferentes visões, principalmente os aspectos ambientais e sociais, de mobilidade e uso do solo. Assim, é importante que, como arquitetos, nos responsabilizemos pelos conceitos e pelas formas das ações projetuais, sobretudo quando se trata de grandes construções e intervenções. E, nessa tarefa, temos que refletir sobre os custos e os impactos que o projeto gerará para as cidades, não apenas financeiros e imediatos, mas a longo prazo e considerando o alcance efetivo dos seus benefícios.

Como alcançar cidades mais inclusivas e acolhedoras?

Essa pergunta me gera outro questionamento que é: saber “de que lugar, cidade estamos falando”? Temos na literatura inúmeros exemplos de casos de cidades mundialmente conhecidas que são chamadas “cases” de sucesso. Acho que é importante, sim, estudá-los, a fim de contribuir para nosso imaginário enquanto arquitetos. Porém devemos ter em mente a singularidade de cada cidade sua história e personalidade própria. Cada vez que adentramos a escala de análise, mais nos surpreendemos com as riquezas locais e os elementos que podem nos dar subsídio para enriquecermos um projeto para aquela área.

E quando, especialmente, tratamos do Brasil, temos por si só contato com realidades muito diferentes, e não dá para ter uma “fórmula” de encaixe em projetos existentes sem se aproximar bem da nossa área de estudo. Digo isso também por experiência própria, trabalhando na Quanta. Nesses últimos anos, por exemplo, conhecemos cidades do Amazonas que apresentam uma realidade social e infraestrutural precária, como é o caso de áreas em que a população constrói palafitas sobre zonas de risco provenientes das cheias dos rios, sofrendo inundação. Nesse âmbito, podemos citar diversos fatores que influenciam uma intervenção que impacte o acolhimento e a inclusão do ambiente urbano: a forma de habitar influenciada pelos aspectos sociais, físicos, ambientais e econômicos, o clima regional, sua história e seus aspectos culturais, o contexto arquitetônico construído e a infraestrutura existente, além da legislação local.

Uma inserção urbana com tal importância social deve levar em conta a democratização dos espaços, a integração e a diversidade sem barreiras e o acesso universal aos equipamentos culturais. Além do caráter de ser público e de fácil acesso, esses lugares de encontros, trocas e criação devem ser, também, descentralizados, a fim de trazer melhorias à qualidade de vida urbana.

Já em termos de desenho urbano, poderia citar de uma maneira mais genérica e prática alguns destaques, como: a valorização da escala humana, a acessibilidade universal, a segurança e o compartilhamento dos modos de transporte e a proposta de formas diversas de deslocamento, o conforto ambiental em geral e a existência de infraestrutura sustentável, a fim de conduzir a criação de um espaço urbano planejado de modo integrado.

Para você, quais novas questões estão em voga em um contexto de pandemia?

Acredito que, nos últimos anos, os temas acerca da mobilidade, da acessibilidade, do meio ambiente e dos espaços públicos já vinham ganhando um novo destaque, antes mesmo do contexto pandêmico. Digo isso não apenas com o viés principal de “vamos ocupar os espaços e retirar os carros de cena”, que é superimportante, mas principalmente com um olhar em conjunto dos territórios (a partir do estudo da área de projeto em desenvolvimento, do seu histórico e suas possibilidades e do envolvimento de diferentes profissionais discutindo aquela área). Com a pandemia, no primeiro momento mais caótico, a ocupação dos espaços públicos até virou um paradoxo. Foi necessário “recalcular a rota”, adicionando a saúde pública como fator indispensável à readaptação para a retomada dos espaços públicos na rotina das cidades.

Outro ponto: os interiores das casas ganharam uma nova circunstância, o home office e a convivência constante dos moradores. Isso afetou desde classes sociais menos abastadas até as com mais recursos para buscarem melhorias e adaptações, agravando um fosso social que já clamava urgentemente por políticas públicas que dessem respostas à situação.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *